A saúde mental é “o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e contribuir para a comunidade em que se insere”. Esta definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) implica que, mais do que a ausência de doença, a saúde mental envolve um bem-estar psíquico que permite ao indivíduo realizar-se pessoal, profissional, intelectual, social e emocionalmente. Mas, afinal, até que ponto esse estado alargado de bem-estar depende de cada um de nós?

“A genética, segundo alguns estudos, poderá predispor algumas pessoas para a depressão ou para a ansiedade, criando-lhes dificuldades de base”, admite o psicoterapeuta Vítor Rodrigues. Isto é, a informação que carregamos nos genes pode fazer a balança da nossa saúde mental pender para o lado errado. No entanto, sabe-se que essa circunstância não torna a doença ou o desequilíbrio numa inevitabilidade.

“Há estudos na área da epigenética que mostram que mesmo os genes desfavoráveis irão manifestar-se em maior ou menor grau consoante a ‘sopa química’ do organismo – que está ligada ao estilo de vida e aos níveis de stress, entre outros”, explica o especialista. Em suma, apesar de a genética ter uma palavra a dizer, é possível influenciar a forma como a informação genética se manifesta.

Saúde mental e estilo de vida

A ‘sopa química’ do organismo é criada, entre outros fatores, pelos nossos estados mentais. E estes, explica o psicólogo, sendo também estados fisiológicos, contribuem para que a predisposição genética, mesmo que desfavorável, não se manifeste ou se manifeste menos.

“Na espécie humana, a importância do que aprendemos e a influência da cultura são fundamentais, mesmo ao nível fisiológico. É literalmente possível influenciar o sistema imunitário do corpo, bem como as ‘imunidades’ emocionais a partir do que aprendemos, do que pensamos, dos sentimentos que cultivamos, do que comemos, dos lugares que frequentamos, do que escolhemos ler ou ver na televisão”, defende o psicólogo clínico.

Embora não possamos mudar a nossa herança biológica nem controlar outros determinantes – como os fatores económicos, sociais e algumas circunstâncias individuais de vida –, há coisas simples que podemos fazer todos os dias para proteger e promover a nossa saúde mental.

1. Satisfazer as necessidades básicas

Promover a saúde mental começa por garantir que estamos a dar a devida atenção às nossas necessidades básicas. Estas são bases indispensáveis para que possamos erguer a restante ‘construção’ a nível de saúde e bem-estar. Isso mesmo demonstra a hierarquia de necessidades proposta pelo psicólogo americano Abraham H. Maslow: a autorrealização – que está no topo da pirâmide – só pode ser alcançada se forem satisfeitas necessidades fisiológicas, de segurança, de relacionamento e de estima.

Um estudo da DECO, de 2016, revelou que quase dois terços dos portugueses dormiam mal e muitos revelavam níveis de sonolência preocupantes durante o dia. Outro, de 2017, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), mostrou que 22% dos portugueses tinham obesidade e 34% estavam em pré-obesidade. O Eurostat revelou que 62,8% da população acima dos 15 anos não praticava qualquer tipo de exercício físico. E o estudo da European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs (ESPAD) concluiu que, aos 18 anos, 43% dos adolescentes já tinha estado embriagados.

A verdade é que muitas vezes damos pouca importância a estas necessidades: comemos mal, dormimos pouco, não somos suficientemente ativos fisicamente, abusamos de substâncias nocivas. Contrariar estes comportamentos de risco é o primeiro passo para promover a saúde mental.

2. Fortalecer a rede familiar e social

Somos animais de relações: realizamo-nos sobretudo na relação com os outros. “Múltiplos estudos evidenciam que ter bons relacionamentos sociais e afetivos melhora a sobrevida a doenças graves, como o cancro, melhora a qualidade de vida e aumenta o equilíbrio mental”, garante Vítor Rodrigues. “Sabe-se, ainda, que as pessoas que tiveram uma vida familiar harmoniosa e com bons laços afetivos têm, mais tarde na vida, um menor risco de desenvolverem perturbações mentais e doenças físicas.”

No livro Social: Why Our Brains Are Wired to Connect, Matthew D. Lieberman, neurocientista e diretor do Laboratório de Neurociência Cognitiva Social da Universidade da Califórnia, argumenta no mesmo sentido. “A dor de uma perda social e a forma como o riso de uma audiência pode influenciar-nos não são acidentes. (…) é para isso que os nossos circuitos cerebrais estão desenhados: para alcançar os outros e interagir com eles.”

O autor baseia-se na investigação que conduziu durante duas décadas com base na realização de ressonâncias magnéticas. E compara a vivência da dor social à dor física: “A forma como os nossos cérebros as tratam sugere que são mais similares do que imaginamos”, afirma.

Por estas razões, investir numa boa rede de suporte – amigos, família, vizinhos – é investir, também, na saúde mental. A solidão e o isolamento são amplamente descritos na literatura médica como fatores de risco para a doença mental, nomeadamente a depressão, entre jovens, adultos e idosos.

3. Valorizar o agora

Vivemos frequentemente no passado (a recordar) ou no futuro (a desejar/projetar) e acabamos por esquecer o presente, o agora. Recordar e planear fazem parte da vida, mas esquecemo-nos muitas vezes de aproveitar e agradecer o presente.

“Ninguém é feliz a recear o futuro ou a lamentar o passado em permanência. Além disso, a arte de estar no presente leva-nos a observar mais e a avaliar muito menos, o que reduz o mal-estar emocional, porque a ansiedade está ligada a projeções futuras frequentes e inquietantes”, explica Vítor Rodrigues.

É precisamente esse o intuito do mindfulness ou da atenção plena: prestar atenção, de forma intencional, ao momento presente, sem ficar apegado ao passado e sem se projetar no futuro. Muitos estudos têm demonstrado que há muitos benefícios na prática estruturada de mindfulness. Entre eles, uma revisão da literatura dos departamentos de Psicologia e Psiquiatria da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, que concluiu que a prática conduz a um aumento do bem-estar subjetivo, à redução de sintomas de mal-estar psicológico e à melhoria da regulação comportamental.

4. Aprender a gerir o stress e os reveses da vida

Passar por um luto ou por um divórcio, ser traído por um amigo, perder o emprego ou ter de enfrentar uma doença. Estes são eventos pelos quais a maioria de nós tem de passar ao longo da vida e que, naturalmente, podem ter um impacto no bem-estar mental.

“Existem muitos estudos sobre o stress pós-traumático e o modo como a exposição a stress intenso ou crónico, sobretudo em momentos precoces da vida, pode deixar-nos com danos a longo prazo. Aparentemente os momentos difíceis da vida produzem impactos nocivos até na saúde corporal”, conta Vítor Rodrigues.

O psicoterapeuta acredita que a melhor preparação para lidar com momentos difíceis passa, por um lado, por sermos capazes de redefinir quem somos, quais os nossos valores maiores e mais prioritários. Por outro lado, por desenvolvermos estratégias para gerir o stress físico e emocional. “As técnicas de meditação, respiração, relaxamento e auto-hipnose podem ser úteis para fazer esta gestão”, recomenda.

 

URO_2020_0083_PT, NOV20