Vários músculos e nervos trabalham em conjunto para que a micção ocorra. Esta coordenação é regulada através de uma interação complexa entre o sistema nervoso central e periférico. “Doenças, traumas ou defeitos congénitos que afetem o sistema nervoso podem perturbar essa interação. Quando isso acontece temos um quadro de bexiga neurogénica”, explica o urologista João Ferreira Cabral. Fluxo urinário intermitente, desconforto durante a micção, impossibilidade de urinar ou sintomas semelhantes aos encontrados nos casos de bexiga hiperativa podem ser compatíveis com esta perturbação da micção com origem no sistema nervoso.

Quais as causas da bexiga neurogénica?

Qualquer dano na medula vertebral, no cérebro ou nos nervos que se dirigem para a bexiga, o seu esfíncter ou ambos, pode comprometer o controlo normal da bexiga. Estes são os mais comuns:

Defeito congénitos | Defeitos de nascença na medula vertebral são a causa mais frequente de bexiga neurogénica nas crianças. É o caso da espinha bífida e mielomeningocelo.

Doenças ou traumatismos do sistema nervoso | A diabetes mellitus, o acidente vascular cerebral (AVC), a esclerose múltipla e a doença de Parkinson são as doenças do sistema nervoso mais frequentemente associadas a disfunção da bexiga. Outras doenças, mais raras, são a SIDA, a síndrome de Guillain-Barré, a poliomielite, o herpes ano-genital e a neurossífilis. São também causas importantes de bexiga neurogénica os tumores do sistema nervoso e as lesões traumáticas do sistema nervoso central e periférico (por acidente ou origem cirúrgica).

Tipos de bexiga neurogénica

Os sintomas de bexiga neurogénica podem manifestar-se de uma de duas formas. Tudo depende do problema nervoso que está na origem da perturbação das funções da bexiga.

1. Bexiga neurogénica de baixa atividade ou hipotónica

Neste caso, a perturbação da micção manifesta-se como retenção urinária ou incapacidade de esvaziar totalmente a bexiga. “Esta retenção pode resultar da incapacidade de contração do músculo da bexiga ou da perda da coordenação entre esse músculo e o esfíncter vesical. Geralmente esta não é dolorosa. Sucede, por exemplo, em casos de diabetes e SIDA, bem como na fase inicial dos traumatismos do sistema nervoso”.

Sintomas

“Nalguns casos, a capacidade vesical aumenta consideravelmente sem que o doente tenha a sensação de bexiga cheia. Nas fases mais avançadas podem ocorrer perdas de pequenas quantidades de urina, causando a chamada incontinência por transbordamento. Fluxo urinário intermitente, desconforto durante a micção ou mesmo impossibilidade de urinar são outros sintomas possíveis. Tardiamente poderão mesmo surgir lesões a nível renal.”

Riscos

Pessoas com este tipo de bexiga neurogénica “têm risco acrescido de sofrer de infeções urinárias, já que a permanência de urina residual na bexiga estimula o crescimento de bactérias. Podem formar-se cálculos na bexiga e, nos casos mais graves, com refluxo da urina para os ureteres e daí para o rim, o quadro pode progredir para lesão renal crónica”.

2. Bexiga neurogénica hiperativa ou espástica

Ocorre quando a perturbação dos nervos que controlam a micção faz com que a bexiga se contraia autonomamente. A bexiga esvazia por reflexos incontrolados, causando alguns dos sintomas típicos da síndrome de bexiga hiperativa.

Sintomas

“Tipicamente, a bexiga enche-se e esvazia-se sem controlo, ou seja, involuntariamente, originando incontinência urinária. Pode haver também a sensação de vontade urgente de urinar, mesmo havendo pouca urina na bexiga.”

Riscos

Neste caso, o maior risco ocorre nos casos em há contrações síncronas do músculo da bexiga (detrusor) e o esfíncter urinário. Tal gera pressões intravesicais muito elevadas que podem levar a deterioração da função renal.

 

Como é feito o diagnóstico

“Quando se suspeita de bexiga neurogénica, é importante avaliar tanto o sistema nervoso como o aparelho urinário”, alerta João Ferreira Cabral. A história clínica e o exame objetivo são fundamentais, podendo ser posteriormente complementados por exames complementares de diagnóstico, nomeadamente:

Estudo urodinâmico | Exame que permite avaliar o comportamento da bexiga nas fases de enchimento e esvaziamento, bem como a função dos esfíncteres (músculos responsáveis por conter a urina e evitar perdas involuntárias).

Cistoscopia | Procedimento que permite a observação da bexiga através de um aparelho (endoscópio) que se introduz através da uretra, geralmente com necessidade apenas de anestesia local.

Ecografia do aparelho urinário |Permite avaliar a integridade do aparelho urinário alto (rins e ureteres), determinar o volume da bexiga, despistar a presença de litíase (pedras nos rins) e avaliar o resíduo pós-miccional.

Estudos radiológicos contrastados do aparelho urinário | A injeção de um produto de contraste endovenoso (urografia endovenosa) ou a sua instilação direta através da uretra (uretrocistografia) permite a visualização radiográfica do aparelho urinário.

Ressonância magnética |É um exame fundamental na avaliação do sistema nervoso central e periférico.


Tratamento

Muitas das doenças que cursam com bexiga neurogénica não têm cura. Ainda assim, é possível minimizar as repercussões físicas e psicossociais desta disfunção. “O principal objetivo da intervenção é, em primeiro lugar, preservar a integridade do aparelho urinário alto (isto é, proteger o funcionamento dos rins), e otimizar o funcionamento da bexiga (manter as pressões intravesicais baixas, promover o esvaziamento adequado da bexiga evitando as infeções, a formação de cálculos urinários e o aparecimento de neoplasias da bexiga). Restituir ao doente algum controlo ou adaptação sobre o funcionamento do seu aparelho urinário, minimizando o seu impacto psicossocial deve ser também alvo da atenção do clínico”, detalha o urologista João Ferreira Cabral.

O especialista apresenta, de seguida, os possíveis tratamentos:

  • Terapêutica farmacológica

Alguns medicamentos podem aliviar os sintomas associados à hiperatividade da bexiga, reduzindo a urgência e a frequência urinária, reduzindo a pressão intravesical e diminuindo ou abolindo os episódios de perdas involuntárias de urina. Obstipação, boca seca, hipertensão arterial e retenção urinária são alguns dos efeitos secundários dos referidos fármacos.”

  • Cateterização vesical

“Inserir uma sonda através da uretra permite o esvaziamento adequado da bexiga, sendo por vezes a única forma de o conseguir. Sempre que possível, a cateterização deve ser intermitente. Isto é, realizada pelo próprio doente, que introduz regularmente uma sonda lubrificada e a retira imediatamente a seguir ao esvaziamento vesical.”

  • Cirurgia

“As intervenções cirúrgicas têm como objetivo promover a drenagem adequada da urina sob baixas pressões, de forma a preservar a função renal, reduzir os episódios de infeção e o aparecimento de cálculos e tumores do aparelho urinário. Podem ser intervenções simples, como a realização de uma cistostomia, ou complexas (cistoplastias de aumento, derivações urinárias para uma ansa intestinal, etc.).”

É possível prevenir a bexiga neurogénica?

Algumas doenças que estão na origem dos quadros de bexiga neurogénica não têm uma causa completamente esclarecida. Como tal, não podem ser alvo de prevenção (doenças neurodegenerativas, por exemplo). Outras, como a diabetes, o acidente vascular cerebral, os traumatismos vertebro-medulares, podem e devem ser alvo de medidas de prevenção. 

25%

“Cerca de 25% dos doentes que sofrem um acidente vascular cerebral desenvolvem um quadro de bexiga neurogénica”, refere o urologista João Ferreira Cabral.

Tome nota

Estas dicas práticas ajudam a compreender e lidar melhor com a bexiga hiperativa e os seus sintomas no dia a dia.

URO/2017/0035/PTCL, JUL18